Comandante da Força de Pacificação no Rio preocupa-se com corrupção policial
do UOL Notícias
Folhapress
Daniel Milazzo
Especial para o UOL Notícias
No Rio de Janeiro
Especial para o UOL Notícias
No Rio de Janeiro
No início da tarde do último dia 26 de novembro de 2010, o general Fernando Sardenberg, comandante da Brigada de Infantaria Paraquedista, anunciava que o Exército havia iniciado o cerco aos complexos de favelas do Alemão e da Penha, zona norte do Rio de Janeiro.
Após a megaoperação na qual forças policiais e militares agiram em conjunto para tirar o território do poder do narcotráfico e devolvê-lo ao Estado, a palavra de ordem era a presença permanente na região.
Para isso, em 23 de dezembro, um acordo assinado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o governador do Rio, Sérgio Cabral, autorizava a Força da Pacificação a entrar em cena.
Aliás, autorizava a entrada efetiva nos dois complexos de favelas, já que antes do acordo a participação do Exército esteve restrita ao cerco.
Ao general Sardenberg foi delegada a missão de comandar cerca de 1.500 militares, mais 200 policiais militares e 30 policiais civis, numa região composta por 22 comunidades e onde vivem cerca de 400 mil pessoas.
Pouco mais de um mês após a formação da FPaz, Sardenberg preocupa-se com a influência negativa que eventuais policiais corruptos possam ter sobre seus homens.
“Isso aqui era um espaço onde, notadamente, de forma ilícita, muito dinheiro rolava. Realmente, é um ambiente perigoso. É uma preocupação que nós temos. Cabe a nós fiscalizar, acompanhar para minimizar ou evitar que esse fator ocorra”, comenta o general. Semana passada, o Exército afastou 30 militares e 23 PMs suspeitos de furto.
Sardenberg promete “morder o calcanhar” dos que pensam que o crime voltará a imperar. Ele reconhece que o narcotráfico ainda não foi extirpado por completo.
“É claro que uma coisinha ou outra, num local onde moram 400 mil pessoas, pode estar ocorrendo, mas não da forma ostensiva como vinha sendo feita”, acredita. Para o comandante da FPaz, o exemplo da colaboração do Exército nos dois complexos deveria servir à evolução dos conceitos de segurança pública. “Para quem tiver o mínimo de entendimento, nós estamos fazendo uma escola”, assevera.
Ressaltando que a atuação militar no território se trata de uma operação de “polícia pura”, o general argumenta que a FPaz oferece ensinamentos práticos de como se deve agir.
“Não é subir correndo atrás de um carro de combate, chegar no alto do morro e espantar uma garotada de 16 anos. Não é só isso não.”
Confira a entrevista completa:
UOL Notícias: Um mês após o início do trabalho da Força de Pacificação, qual é o balanço da operação nos dois complexos?
Nós iniciamos com um cerco ao Complexo do Alemão e a partir de dezembro evoluímos constituindo a chamada Força de Pacificação.
Vimos desenvolvendo uma série de ações de forma crescente. Iniciamos um patrulhamento intensivo, até mesmo para o melhor conhecimento da região, e atualmente nós temos evoluído muito no modus operandi.
Saímos somente do patrulhamento ostensivo para postos de bloqueio e controle de via urbana, fiscalização de carros e motos, atuações conjuntas com delegacias especializadas, como a DRFA [Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis], buscando retirar carros irregulares daqui e fazendo efetivamente operações de todos os tipos, inclusive grandes operações.
Como são essas grandes operações?
Toda semana nós fazemos duas grandes operações: uma no Complexo da Penha e uma no Complexo do Alemão.
Nós selecionamos uma das 22 comunidades, fruto de um levantamento da existência de problemas, e, com um mandado da Justiça, às 6h da manhã, nós investimos com bastante gente nessa comunidade, com Polícia Militar, blindado, helicóptero.
Efetivamente, fazemos uma revista bem apurada. Passamos em média um dia lá dentro. Em todas que nós entramos até agora, que nunca tinham tido esse tipo de operação, a receptividade foi muito boa.
Não tivemos qualquer problema, nada. Acho que temos conseguido um sucesso muito positivo. Discordo de algumas considerações que estão sendo feitas na mídia...
Quais?
De que o tráfico não morreu, de que as pessoas estão com medo. Claro, ainda são menos de dois meses de operação.
Existe muita coisa latente daquilo que existia, mas a coisa tem evoluído muito acentuadamente. Quem viu isso aqui dois meses atrás em nível de comércio e vê como o comércio está hoje...
A cada dia que passa você vê lojas novas, empreendimentos novos. Isso são empregos novos, é dinheiro que circula, é ocupação daquele espaço, o que vinha sendo feito de outra forma, de forma ilícita.
É claro que uma coisinha ou outra, num local onde moram 400 mil pessoas, pode estar ocorrendo, mas não da forma ostensiva como vinha sendo feita.
O Alemão, um mês após ocupação
Isso aqui é um processo. Estamos ainda numa condição latente, onde verdadeiras comunidades, favelas, eram dominadas por grupos de traficantes, basicamente o Comando Vermelho.
Tanto o direito de ir e vir como todos os demais direitos eram totalmente tolhidos. E muita gente sobrevivia fruto desse dinheiro e convivia naquele ambiente. Mas isso nós estamos coibindo.
Qual é o estágio ideal que vocês pretendem atingir?
Nós temos por objetivo principal a recuperação da credibilidade das instituições do Estado perante estas comunidades.
Durante cerca de quinze anos isso deixou de existir. Existe, então, um trabalho onde nós buscamos operar pela ação de presença.
Sempre de forma itinerante, nós estamos batendo todos os locais de concentração. Estamos presentes, conversando com as lideranças comunitárias, coibindo determinados eventos que eram praticados aqui.
Refere-se aos bailes funk?
Isso. A princípio, negativo. Não autorizamos e deixamos bem claro: aqueles que nós deixamos funcionar, nós acompanhamos.
E quando há qualquer coisa do tipo briga, consumo de bebida alcoólica por menor, constatação de qualquer tipo de tráfico de substância entorpecente ou veiculação de músicas com tom não legal, aí nós intervimos.
As Forças Armadas exercem a função de polícia na região?
Nós efetivamente estamos fazendo o papel de polícia aqui. Isso é uma operação de polícia pura. Nós operamos com a Polícia Militar sempre conosco.
Mas é importante ressaltar: sempre pautando todas as nossas ações pela legalidade. Nós só entramos em qualquer localidade com o consentimento do morador ou com um mandado de busca e apreensão.
Buscamos muito também dosar a força.
O nosso pensamento é que estamos atuando contra uma garotada que não teve muita opção por escolher o caminho que eles professavam por aqui. É uma garotada despreparada, que, por força de uma ausência do Estado durante muito tempo, achava que tinha uma determinada força e não tem. Não tinha.
Tanto que aconteceu o que está acontecendo. Buscamos muito evitar um confronto de tal forma que venha a ser produzida uma vítima. Já tivemos oportunidade disso acontecer e evitamos para que isso não ocorresse.
Somente numa condição de legítima defesa, que minha tropa se veja tolhida e tenha que reagir, aí nós poderemos evoluir para o uso da força. Mesmo assim, enfatizando antes o uso do armamento não-letal. Nossa ênfase é recuperar a confiança da população em nós, o Estado.
Como vê o preparo dos seus homens para esse tipo de trabalho?
Para quem tiver o mínimo de entendimento, nós estamos fazendo uma escola. O aparato de segurança pública do Estado tem que usar como exemplo no futuro. Buscar evoluir os seus conceitos e, a partir disso, ter gente dele [aparato de segurança pública do Estado] em condições de fazer o que nós fazemos.
Ou seja, não é subir correndo atrás de um carro de combate, chegar no alto do morro e espantar uma garotada de 16 anos. Não é só isso não.
Tem que ter a capacidade, que é o mais difícil, de ficar aqui dois, três, quatro meses efetivamente, andando, operando de noite, de madrugada, reunindo-se com lideranças comunitárias, conversando com as pessoas, colaborando para que o comércio se abra.
Cobrando mesmo, via os meus chefes, que têm ligações políticas, ações do governo estadual e governo municipal para que isso aqui não pare, não morra.
Para quem tem o mínimo de conhecimento de segurança pública, que veja aquilo que nós estamos fazendo. Acho que nós estamos fazendo escola.
Você preconiza que essa colaboração entre polícia e forças armadas continue e se expanda para outros lugares?
Não é isso o que estou dizendo. Não posso falar isso, porque sou um general de Brigada. Minha atuação se pauta no plano tático e eu cumpro ordens. Tenho chefes acima de mim que se ligam na vertente política.
Se houver ou não uma evolução nesse sentido, não cabe a mim defini-la. O que nós estamos fazendo aqui, dentro daquilo que foi decidido, é um modelo que deve pelo menos ser estudado pelos órgãos de segurança pública estaduais para a evolução deles mesmos.
No início da operação, queria-se limitar a presença dos militares por haver um receio de que os homens pudessem se “contaminar” com eventuais policiais corruptos. Como você vê a questão?
Na prática, a gente lida com seres humanos. Nós temos toda uma preparação, toda uma sequência de ordens estabelecida.
Nós preconizamos um fator chamado ação de comando.
Ou seja, é general que tem que estar olhando os coronéis, os coronéis que têm que olhar os capitães. Por isso eu fico aqui o tempo todo, os coronéis ficam aqui o tempo todo. Fiscalizando, cobrando, incentivando. Isso aqui é muito grande. São 400 mil pessoas.
te, de forma ilícita, muito dinheiro rolava. E até mesmo nós ouvimos falar de alguns envolvimentos externos de fora da comunidade.
Realmente, é um ambiente perigoso. É uma preocupação que nós temos. Mas a ordem foi determinada para que nós permaneçamos até outubro. É missão dada, missão cumprida. Cabe a nós fiscalizar, acompanhar para minimizar ou evitar que esse fator ocorra.
O que vocês pretendem ter realizado até outubro?
Tenho um batalhão da Polícia Militar subordinado a mim.
É o Batalhão de Campanha da PM. Tem um coronel da PM que trabalha comigo.
O que nós pretendemos, na realidade, é esmagar ou eliminar aquilo que era praticado.
Nós, militares do exército brasileiro, somos chatos.
Estamos o tempo todo andando em todas as partes das duas comunidades, não existe nenhum ponto em que nós não vamos.
Quando a nossa inteligência levanta determinado número de indícios em determinada área, é motivo para nós desencadearmos aquela grande operação.
Nós estamos o tempo todo mordendo o calcanhar daqueles que ainda acham que aquilo que era praticado aqui vai retornar.
Se isso for mantido até o mês de outubro, eles vão ter que procurar outro local para praticar isso, porque aqui eles não vão conseguir.